segunda-feira, 25 de abril de 2011

Ônibus Fantasma


Era algo em torno das três da madrugada.
O ápice do silêncio da noite.
Lá fora, a noite calma, misteriosa e fria, banhada pelo brilho das estrelas que dominavam o céu  e pareciam atravessar as cortinas escuras das janelas.
De repente, o som de um baque que emudeceu o ronco constante dos motores.
Um vidro estilhaçando.
Pude ouvir o ranger da porta se abrindo.
As luzes se acenderam, quebrando a escuridão dominante no interior do ônibus, apagando os raios brilhantes das estrelas.
O terror havia começado...
Da distância da última poltrona por mim sozinho ocupada, pude reconhecer o rosto e  uniforme do motorista.
Era uma veste azul, agora manchada com o vermelho do sangue que jorrava de sua garganta.
Atrás dele, a sombra escura de um homem, que o segurava como se nada mais fosse que um boneco velho de pano que foi por ele atirado ao chão. Somente então eu pude perceber, ele estava morto.
Encolhi-me na minha poltrona que agora parecia não me caber. Cobri-me até o queixo com o meu cobertor, deixando à mostra apenas o resto da minha face e meu cabelo assanhado pelo chapéu que utilizava e que deixei cair nos instantes em que peguei no sono.
O chapéu estava caído aos meus pés, e tal fato somente pude perceber agora, quando desesperadamente passei a mão pela minha cabeça na tentativa de escondê-lo.
Ainda mais encolhido, me pus a rezar em silêncio.
Em volta, as pessoas se olhavam reprimidas e assustadas. Ninguém falava nada. Um senhor da primeira poltrona que tentou se levantar para clamar por calma foi golpeado e caiu de volta em seu lugar, calando ainda mais as pessoas presentes.
Somente ouvia-se aquele homem da sombra escura, que aos berros pedia o nosso dinheiro, como se fosse a maior de suas necessidades, vital.
Era um homem negro, que mais parecia um bicho. A brutalidade saltava de todos os traços do seu rosto barbudo e encardido. Seus olhos eram pretos e grandes, arregalados, sem qualquer brilho. Exalavam um ódio profundo e indiscriminado, que atingia a todos nós com só olhar seu.
Caminhava entre as primeiras poltronas, com arma de fogo em punho na mão esquerda. Na direita, exibia o canivete já sujo da morte do motorista.
Distribuía ordens e agressões e recolhia como podia todos os objetos de valor que encontrava.
Todos continuavam em absoluto silêncio, a não ser pelo murmurinho das orações e pelo choro mal contido de algumas mulheres.
O silêncio se quebrava cada vez mais. Agora pelo som dos tapas, socos e gritos queixosos daqueles que estavam sendo agredidos.  Quebrava-se ainda, pelo riso ensurdecedor daquele homem, que parecia satisfazer diante da dor que provocava.
Os homens eram suas principais vitimas. Era como se ele quisesse eliminar toda possibilidade de resistência. As mulheres eram golpeadas a tapas até que entregassem todos os brincos, colares e pulseiras que ostentavam em seu corpo.
Um senhor de avançada idade, que tentou esconder o aparelho celular da netinha que o abraçava apavorada ao seu lado, foi ordenado a ficar de pé e a juntar as mãos uma em cima da outra, para que fossem rasgadas pelo canivete que as atravessam. Apesar da distância, pude ver que as lágrimas silenciosas corriam de seus olhos. Ele não gritou. Talvez para não assustar ainda mais a netinha. Talvez porque seu velho corpo não suportasse produzir um grito para uma dor tão grande. Eu berrei dentro de mim.
A sua raiva parecia ser cada vez mais crescente. Ele vinha dominando o ônibus pelo corredor com a sua violência. Somente o dinheiro não parecia bastar. Ele queria tudo, ele queria a paz, o sossego e a vida de cada um ali presente.
Uma senhora que resmungou levou tiro na direção da face. Não sei dizer se estava morta. Apenas sei que não ouvi mais o seu resmungo.
Toda a tensão aumentava a cada instante. O absoluto estado de desespero nos consumia. E quanto mais desesperados ficávamos, mais agressivamente ele reagia. Certamente pelo receio de que as coisas saíssem do seu controle. Ou mesmo porque aquele desespero alimentava-o e o impulsionava a continuar. Tiros e mais tiros eram disparados aleatoriamente.
Ele vinha invadindo cada vez mais o interior do ônibus, já chegando à parte central. Eu sabia que cada passo lhe trazia para mais perto de mim. O nosso encontro seria inevitável. Por um segundo, tive a impressão que meu olhar apavorado cruzou os seus olhos pretos e arregalados.
Uma jovem moça, a mais linda que eu havia percebido ali, foi agarrada pelos cabelos e arrastada de volta até a porta. Como a querer nos proporcionar um show de horror, ele intencionalmente a pôs na frente do ônibus, para que pudéssemos assistir enquanto ele mordia vorazmente a pele de sua face e seu pescoço, enquanto suas mãos a dominavam em seus seios, suas pernas e seu sexo. Ela gritava. E apanhava. Ele sorria. E mesmo não consumando o ato sexual, ele parecia plenamente satisfeito, até o momento que arremessou a moça com toda a força contra o chão e, pisando sobre o seu corpo, voltou a caminhar em nossas direções.
Olhei apreensivamente pela janela na esperança de encontrar qualquer ajuda. Mas, estávamos completamente abandonados naquela estrada. Ele parecia ser a única força existente e se voltava contra nós.  E estava cada vez mais perto de mim.
Há duas poltronas a minha frente ele parou diante de uma mulher que, aos prantos, amamentava seu pequeno bebê de apenas dois meses de vida. Sem pronunciar uma palavra sequer ela lhe ofereceu a bolsa, que ele não pegou. Aliás, ele sequer viu a bolsa estirada em sua direção. Seu olhar pareceu vidrado naquela pequena criança. Era como se aquela cena, maternal, inocente, o tivesse remetido para a pureza de um momento da sua vida que ele sabia nunca mais retornar.  Por um instante, pude enxergar um rastro de humanidade em seus grandes olhos, agora silenciosamente comovidos.
Ele pareceu tomado por um remorso de toda a sua vida, de tudo que havia se transformado. Demonstrou cansaço, como se pudesse sentir agora sobre as suas costas o peso de ser monstro. Havia uma saudade e uma inveja transparente daquela pureza. Ele berrou e atirou para o alto, interrompendo a humanidade que o tocava, como a fugir dela, e voltou ao seu espetáculo de horror.
O cheiro misturado de sangues era cada vez mais forte dentro do ônibus.
Olhou para mim. Senti de novo o gelo do seu olhar como se ele ameaçasse a devorar-me os rins e o pâncreas. Pediu-me dinheiro. Não reagi. Não conseguia me mover a não ser para encolher-me ainda mais debaixo do escudo que o meu cobertor representava.
Ele se irritou comigo e gritou ainda mais alto. Olhei pela janela. Lembrei da cena da minha acenando para mim enquanto eu partia. Quis chorar.
Senti o corpo dele se jogando sobre mim a puxar meu cobertor e, com isso, me descobrindo de todo o resquício de proteção que eu ainda sentia.  Berrou de ódio ao olhar para mim, como se tivesse sendo traído e ameaçado. Cuspiu no chão.
Com o meu corpo descoberto, ele pôde perceber aquilo que já teria sido antes denunciado se o meu quepe não tivesse caído aos meus pés: a minha farda militar, que há apenas duas semanas eu usava, quando finalmente me formei na escola de soldados, no auge dos meus vinte e poucos anos de idade.
A sua raiva pareceu crescer descontroladamente. Tanto, que o cegou para o fato de que eu sequer estava armado. Ele se lançou sobre mim com socos, pontapés e golpes de canivete, buscando reprimir toda uma resistência que nem por um segundo eu havia apresentado.
Sentia meu corpo dolorido. O sangue escorria de vários lugares do meu corpo e manchava a minha farda. O cheiro do meu sangue era ainda mais forte que qualquer outro ali dentro.
Caído sobre as duas poltronas eu pude sentir o peso do seu corpo se afastando. Ouvi os tiros da arma sendo descarregada contra mim. Lembrei mais uma vez da minha mãe e do seu aceno, enquanto sentia meu corpo queimar com a pólvora das balas que explodiam no seu interior.
Tudo se escureceu.
E apesar do meu grito agoniado, o riso daquele homem foi o último som que eu ouvi.
                                                                                                                   

        Paulo Henrique Silva Almeida
-PHA-

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Confissões à Deus

Querido Deus, estou com medo.
Tenho medo dos filhos teus.
Medo das pessoas que abandonam pessoas, por qualquer motivo, qualquer detalhe.
Pessoas que não se compreendem, que se julgam reciprocamente, numa disputa tola de auto preservação.
Temo às pessoas que se eliminam. Afastam-se. Ignoram-se. Que não se buscam, não voltam atrás.
Eu não as entendo.
Não entendo o porquê do apego exacerbado às pequenas diferenças. Como um mínimo de desentendimento pode acabar com toda uma história a dois, uma harmonia de vida comum.
Será que elas não conseguem enxergar que o desacerto e o engano são comuns, mas que isso não muda o caráter de uma pessoa. São erros inerentes à própria condição da vida, e são toleráveis, perdoáveis. Passam...
As pessoas preferem a discórdia, a disputa e a boa briga. E assim apenas se perdem, em si mesmas, e umas das outras.
Querido Deus, será que elas não compreendem que seriam muito mais felizes se soubessem aceitarem-se reciprocamente?
Que haveria maior felicidade se após a cada briga e decepção elas olhassem o outro como um todo, e no lugar de julgamentos  pelo atos  infelizes, elas se buscassem com a graça do melhor olhar que trocaram em admiração?
Por que não se buscam no melhor de cada uma, mas preferem tripudiar sobre um momento desafortunado, um ato controverso, um deslize qualquer?
Eu temo as pessoas que abrem facilmente mão uma das outras. E se jogam numa rotatividade de inúmeras relações, substituindo a outra no primeiro momento de decepção.
Por que não preferem se abrir ao perdão?
Elas deveriam encarar que pessoas são pacotes, inteiros, completos, e que amar alguém significa aceitar essa pessoa em seu todo, pois é aquilo que ela é. Não da pra mudar a cor da pele, a religião, os vícios, a sexualidade, a opinião politica. As pessoas estão condicionadas a ser aquilo que elas são, e estão prontos a serem amadas assim.
Mas essas pessoas não se abraçam, não se acolhem. Preferem se repelir por qualquer desagrado que encontram.
Buscam uma perfeição que não existe, pois o máximo que podem conseguir é um alto nível de adaptação que apenas se ganha com um tempo considerável de convivência pautada no respeito e na compreensão.
A verdade é que cada uma delas é perfeita dentro do seu próprio limite. E se uma magoa a outra, é apenas porque ela não poderia ter feito melhor naquele momento.
Eu temo as pessoas que se odeiam, que preferem trocar ofensas a distribuir sorrisos.
Pessoas que apagam as outras de seus caminhos, como se não houvesse tido, apesar da mágoa, nenhuma espécie de contribuição, de crescimento, de compartilhamento.
Pessoas que se esquecem, que não se somam. Que se repudiam.
Querido Deus, elas não compreendem. Se condicionaram a viver uma vida limitada, imediatista, como se o caminho da vida nos levasse unicamente para a morte.
Não, Deus. Não nascemos para morrer, ou simplesmente viver. Nascemos para agregar ao mundo e nele obter acréscimos.
Mas não compreendemos isso.
Esquecemos o valor do sorriso e do abraço. Esquecemos do amor eterno, que é sempre possível, mas deixamos de amar as pessoas simplesmente pela mudança da condição no espaço que elas ocupam em nossa vida.
Deixamos de pensar no bem para o outro somente porque acabou o namoro, a amizade, a convivência.
Acostumamos a amar as pessoas pelo lugar que elas estão em nossa vida, e não pelo que elas realmente são. E ai, o amor se quebra a toda hora, a todo momento.
Todo amor deveria ser eterno, porque as pessoas amadas são eternas, mesmo após a morte, deixam suas lembranças.
Mas a eternidade do amor não persiste, porque não amamos as pessoas em si mesmas, amamos seus reflexos, a materialidade de seus atos. Não amamos o que elas são, e sim o que elas exteriorizam.
E daí, basta um pequeno deslize, um pequeno erro, que o amor se perde.
Deus meu, não compreendemos nada.
Temo as pessoas porque elas não se preservam. E hoje somos amantes, mas amanha seremos inimigos.
Eu temo. 

Paulo Henrique Silva Almeida
-PHA-

terça-feira, 12 de abril de 2011

Sobrevivência...



"Já passam das duas da tarde.
Estou faminto!
Passei todo o dia em frente a essa padaria esperando qualquer esmola, qualquer resto de comida, de respeito, de atenção.
Mas, ninguém me vê ou me ouve. Estou invisível na minha miséria que eles parecem não querer enxergar.
Eu aqui, jogado nesse chão, clamando por decência e por caridade, não tenho mais forças.
Há anos venho lutando contra a fome, o frio e o abandono.
O meu corpo está magro, contornado pelos ossos das minhas costelas que se expõem de forma saliente sob minha pele. Os meus pelos estão escassos e os poucos que me restam pelo corpo estão ressecados pela ausência de nutrientes. 
Os meus olhos estão fundos de tristeza e de falta de vitaminas.
Apesar dos meus jovens seis anos, o meu corpo debilita-se rapidamente e quando vejo meu reflexo em alguma possa de água suja pela rua, percebo os sinais que me não me deixam esquecer que estou morrendo violentamente. E de fome!
Perdi a conta de quantas pessoas passaram por mim nessa manhã sem prestar qualquer socorro mesmo diante do meu gritante estado de desespero.
Por vezes nem voltaram seus olhos para mim. Por outras, me encaravam com medo, com nojo, talvez até com pena, mas mesmo nessas horas em que seus olhares cheios de desprezo e repúdio cruzavam os meus olhos repletos de angústia e solidão, mesmo nessas horas, eles pareciam não me enxergar.
Homens engravatados, mulheres distintas e elegantes, crianças bem vestidas e penteadas, como se tivessem saído de um daqueles comercias que vejo nos jornais e revistas velhos abandonados pela rua. Todos passavam inertes a minha situação, como se todo o meu estado deplorável e decadente não pudesse sequer atingir a pose dos seus status social.
Há também diversas pessoas simples passando por aqui. Muitas com incontestável estado de carência. Mas, mesmo elas que certamente sentiam de algum modo a dor da ausência assim como eu, pareciam não me enxergar. É como se os poucos que possuíam a mais do que eu fosse o bastante para que lhes desse segurança suficiente para ignorar meu sofrimento.
Eu bem que queria chamar-lhes a atenção. Talvez se eu pudesse gritar, eu soltaria o longo e arranhado grito de dor que brota do buraco não preenchido no meu estômago.
O problema da miséria é que o vazio que ela causa ultrapassa a ausência material e se transforma em carência moral e emocional diante do descaso com o qual venho sendo tratado.
Em outros tempos, eu até corria atrás. Insistia pela esmola e pela atenção. Fazia travessuras e malabares, perseguia até o limite da paciência deles em me enxotarem para trás. Se quisessem, eu sentava, rolava, fingia de morto. Tudo o que fosse preciso para merecer um resto de comida.
Hoje, eu não consegui sequer me levantar desse chão. Não encontrei força em meus ossos. Passei todo o dia aqui deitado, esperando em prece que eles tivessem caridade por mim.
Mas, vejo que está sendo em vão. Eles estão apressados demais em seus afazeres e vaidades para se importarem. Passam sempre correndo. Desviam de mim na calçada, sem qualquer compaixão, e com isso atropelam e pisam na minha sobrevivência.
Enquanto isso, tudo o que carrego no estômago são os restos apodrecidos de uma maçã que há três dias uma moça me jogou da janela de seu carro, sem sequer se virar para me encarar, nem mesmo para perceber o já enfraquecido brilho dos meus olhos em agradecimento.
Talvez eu pudesse também ter comido ontem os restos do salgado que aquele senhor, ignorando minha necessidade, deixou de me doar e jogou na lixeira da esquina que estava em minha frente. Até que eu tentei, revirei o lixo em procura daqueles restos, no meio daquele amontoado de papéis amassados, metais, plásticos e vidros, todos cobertos da terra e outras sujeiras varridas mais cedo da calçada e umedecidos pela água da chuva que havia invadido aquela lixeira.
Revirei, no limite das minhas forças. Tudo que eu queria eram aqueles restos de alimento cujo cheiro estava me causando um desespero apressado e desconfortante em me salvar da minha fome. Mas, fui impedido por um cidadão qualquer passando por ali, que desaprovando meu ato e temendo a minha bagunça, me pôs a correr sem poder oferecer resistência.
Se no estômago eu apenas carrego aquele resto apodrecido de maçã que tanto mal-estar me fez, no coração eu carrego o sofrimento e a angústia por ser a única testemunha, o único que parece perceber a minha fome, o meu abandono e a minha depreciação.
Em minha mente, eu carrego o questionamento do porquê de tanto egoísmo, de tanto desamor, de tanta indiferença. Por mais que eu deseje, eu não vou poder possuir tudo o que eles possuem, mas já me salvaria hoje se eles pudessem me doar e compartilhar comigo o mínimo, o resto, o pouco que para eles nem fará falta.
Já me salvaria se eles fossem um pouco mais humanos em si mesmos, e me encarassem também como um ser humano, que sofre, que espera, que necessita, assim como todos eles.
Porque eu sou um ser vivo e humano, sou apenas uma criança abandonada, mas eles me tratam como se eu fosse um cão, um bicho, do qual eles podem aproveitar da irracionalidade para disfarçar a sua indiferença.
Por que eu me chamo João, nasci na miséria, não conheço meu pai, e minha mãe e meus irmãos estão afastados de mim, vivendo cada um sozinho nas ruas, todos em busca de sua própria sobrevivência.
Na minha alma, eu carrego a esperança de que eles me percebam aqui e que tenham compaixão de mim. Que me dêem um prato de comida, um carinho e que me ensinem a ler e escrever.
A esperança de que eles me vejam aqui e não me encarem apenas como se eu não fosse mais do que o reflexo dessa minha imagem tão maltratada. Que  não sou feito apenas de miséria e de fome,  que eu também tenho sonhos, sentimentos, desejos. Que eu tenho um passado e um presente que são cruéis, mas eu ainda tenho um futuro, e não quero perdê-lo. Que eu sou feito de vida, e não quero morrer de fome! Que eu quero apenas sobreviver!"


Paulo Henrique Silva Almeida
-PHA-

sábado, 2 de abril de 2011

O suicídio da Vida

Penso que viver, por si só, já é um ato suicida.
Nascemos prontos. Ali, pequenos seres. Inocentes.. Verdadeiros..
Sem conhecimento científico, sem juízo de valores materiais, de regras éticas e morais.
Sem pretensões de vitórias, sem necessidades a não ser aquelas que decorrem da nossa própria natureza.
Dependentes, sim. Mas não vazios!
Completos em nós mesmos.
Porque sorrimos ao mundo que está ao nosso redor, independente de qualquer provocação, de qualquer motivo. Sorrimos sem saber se é ou não apropriado. O nosso sorriso posto cabe em qualquer lugar, em qualquer hora.
Somos livres e permitidos. Vivendo em paz... uma paz que se preenche em nossa própria existência.
Pacientes em nós mesmos...
Porque sabiamente choramos para alcançar aquilo que queremos, não um choro de desespero, mas voluntário, calculado a atender nossa própria urgência.
Daí vem o tempo... e com ele o crescimento! Vem a vida!
Não aquela vida de antes. Pura e Inocente.
Mas uma vida avassaladora, repleta de sonhos, de vontades criadas fora de nós e que destroem e atropelam nossa essência.
Dos brinquedos e brincadeiras partimos a querer roupas, viagens, festas... Queremos estudos, profissão, sucesso, dinheiro... Queremos amizades, romances.
Ora, já não nos bastamos a nós mesmos! Precisamos dos outros, precisamos do outro.
Nos acostumamos a ser dependentes de tudo, com a certeza que somente existimos enquanto coexistimos. E nossa estrada passa necessariamente a ter que ser cruzada por outras várias. Não sabemos mais caminhar sozinhos. A nossa existência somente se perfaz “pra fora”  e todo olhar ao nosso íntimo é carregado de dúvidas e angústias externas.
“Por quês”? “Quandos”? “Comos”?
Não mais nos contentamos com nossa situação. Passamos a ser naturalmente insatisfeitos. Querendo tudo o que não possuímos e nada do que já temos.
Tudo se inverte! Não conseguimos mais ser felizes por uma hora seguida. Tem sempre um estresse, uma decepção, uma má-vontade, um desgaste.
Não acordamos mais sem continuar a sentir sono. Temos preguiça do passar do dia, sempre a espera da hora seguinte.
Não temos mais a sabedoria da paciência e a virtude da resignação.
Deixamos de ser completos e passamos a ser solitários, carentes. Pessoas em busca incessante por algo que nem sabem exatamente o que é, pois o objeto da procura muda a cada esquina. 
Somos indeterminados e inconstantes.
Não é que sejamos infelizes.. mas, somos felizes por uma felicidade não autêntica. Falha e reversível a qualquer obstáculo.
Desesperamos com o leite derramado, com a demora da chegada, com o último dia para a entrega. Somos desconfiados da nossa própria sorte e toda confiança que nos resta depositamos sempre nas mãos dos outros.
Daí vêm as nossas angústias, nossas tristezas, nossas amarguras, nossas decepções e fraquezas. Vamos nos ferindo a cada dia mais. Guardando mágoas, rancores, traumas, medos que parecem ser a única coisa que sabemos somar.
Os momentos de alegria e as vitórias não nos bastam... Até quando mais otimistas questionamos e nos preocupamos com a chance mesmo ínfima de dar tudo errado.
Não temos mais um mundo para nós... passamos a integrar um mundo dividido.
Vamos nos destruindo e morrendo pouco a pouco.
Deixamos de ser aquela criança completa, paciente e satisfeita.
Nós tornamos adultos ignorantes, insatisfeitos e constantemente inexperientes.
Deixamos de viver dentro de nós ..  a busca pela existência se torna externa.
Passamos a nós matar em nós mesmos!

Paulo Henrique Silva Almeida
-PHA-

Preciso de um pouco de Paz



Eu somente preciso de um pouco de paz.

Se crescemos em conflitos, precisamos de paz para desfrutar desse crescimento.
Todo corpo, toda mente, toda alma precisa de repouso.
De nada adianta ser um bruto lutador, um incansável campeão, se não há o gozo da vitória.
Talvez eu não encontre a paz porque eu tema a vida do pós-conflito.
Porque o pós-conflito, mesmo para os campeões, reflete todas as perdas da batalhas.
E eu conheço a perda, mas não me conformo. Não a admito.

Perdas são cruéis demais para corações que amam. Mais ainda, muitas perdas que ensinam aos corações o amor que decorre da dor da ausência.
E assim eu me prendo em pequenos conflitos, constantes conflitos, que não me deixam mergulhar em paz.
Constantes conflitos que escondem minhas perdas, evitam que eu tenha que somá-las, pois mascaram um objetivo inalcançável, aparentemente suficiente para não deixar de lutar.
Conflitos que não cessam e não me deixam encontrar a paz.

Paulo Henrique Silva Almeida
-PHA-

Somente Amor não Basta


Somente Amor não basta..
Preciso de acolhimento, compreensão, respeito, lealdade, dedicação, generosidade..
"Amor" é apenas um sentimento. Quero o "amar", em gestos e atitudes, em demonstrações.
É o "amar" que nos preenche, nos recompensa...
Cansado de ouvir desculpas e promessas. Preciso mesmo é de convencimento e certeza..
Somente "amor" não é base suficiente para um relacionamento.
Somente o "amor" provoca espera, ausência, desconforto..
Aliás, quem vive apenas de "amor" sofre.. Eu quero "amor" e "amar"..
quero mesmo é Viver de FELICIDADE..!

Paulo Henrique Silva Almeida
-PHA-

Se eu fosse hoje, para sempre...



Se eu fosse hoje, para sempre, não buscaria respostas. Viajaria no silêncio e me afogaria na imensidão do meu ser.

Se eu fosse hoje, para sempre, os meus órgãos deixá-los-ia para os que deles necessitassem, e levaria comigo apenas as sensações que eles me causaram em vida!

A DEUS, deixaria a minha lealdade e minha fé. Pois tudo mais o que tenho, ele que me presenteou e, deixo-lhe, então, a minha eterna gratidão por tamanha generosidade.

Aos meus pais, ficaria o meu ‘muito obrigado’, por terem sido os instrumentos principais, escolhidos por DEUS, para a minha existência.

Ao meu amor, nada seria preciso deixar, pois a ti já teria me doado em vida, e o teu corpo teria sido, então, o segundo lar de minha existência. Assim, eu já estaria em ti.
Agradecer-lhe-ia, eternamente, por poder lhe dizer não só o ‘eu te amo’, mas, principalmente, o ‘eu te amo também’.

            Aos amigos especiais, lhes deixaria a minha lembrança, pois para vós, eu tenho certeza, Estive Presente.

            Aos seres desprezíveis, que mesmo agora não chamaria inimigos, não deixaria o mal. Mas, a vida se encarregará de cobrá-los. Assim, acredito que nunca chegarão ao topo e os deixo-lhes meus sinceros votos de que durante a queda do meio do caminho, que certamente será traiçoeira, lembrem - se de mim e de tudo o que me fizeram. Alguns de vocês se mostraram de inicio, e eu os ignorei, mas com admiração. Outros mostraram pouco a pouco a verdadeira face, antes mascarada, e, não doeu matá-los em mim. E mesmo sendo muitos, mesmo juntos, formam apenas um pequeno grão de insignificância diante de minha existência.

            Se eu fosse hoje, para sempre, das minhas fotos retiraria toda e qualquer legenda, pois os olhos devem compreender o sentido da  imagem pelo que ela diz por si só, e não pelo teor da explicação.


         Os meus bens materiais pessoais, desculpem-me os miseráveis, mas esses a ninguém eu deixaria, pois poderiam significar instrumentos de lembranças aos que me conheceram, e temo as saudades mal interpretadas.

            A natureza, eu a socorreria.

        Se eu fosse hoje, para sempre, carregaria lembranças e deixaria saudades.

            Arrepender-me-ia de muito, mas tendo a oportunidade, faria quase tudo de novo.

            Se hoje, e para sempre, abandonasse o meu corpo e passasse a vagar no mundo dos espíritos, não rogaria a DEUS mais nenhum segundo sequer de vida. Pois, saberia ter vivido pelo tempo necessário e teria a certeza de que se estivesse algo mais reservado para mim em algum futuro, eu não estaria indo embora. 


           Porque tudo o que é vivo morre, mas perece ao seu tempo.

            Ah!

            Se eu me fosse hoje... Para sempre... Para o sempre..



Paulo Henrique Silva Almeida
-PHA-